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Boas Práticas | Entrevistas Ceará mostra como institucionalizar a Colaboração na educação pode induzir transformações ago | 2020
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Os primeiros exemplos de cooperação na Educação no Ceará datam de meados da década de 1970. Já nos anos 2000, apenas para lembrar dois marcos, o estado criou o Comitê Cearense para a Eliminação do Analfabetismo Escolar, em 2004, e o Programa Alfabetização na Idade Certa (Paic), em 2005. Depois disso, diversas outras experiências apontaram para o fortalecimento da cultura da colaboração na educação da região.

Hoje, o estado é  citado em fóruns e publicações que tratam do Regime de Colaboração e avanços na qualidade da oferta de educação básica, especialmente no ensino fundamental.

Para entender os cenários e, claro, conhecer um pouco mais do trabalho realizado durante a pandemia, o Movimento Colabora Educação conversou com o professor e gestor educacional Márcio Pereira de Brito, secretário executivo de Cooperação com os Municípios na Secretaria da Educação do Ceará. Confira.

 

Movimento Colabora Educação – Sabemos que no Brasil a coordenação e a cooperação entre os sistemas federativos no campo da Educação é tarefa muito complexa. O compartilhamento e a sobreposição de responsabilidades são desafios observados em todos os estados. Como o Ceará lidou e vem lidando com a questão?

Márcio Pereira de Brito– Bem, aqui temos uma história de colaboração que se inicia há muito tempo, mas se organiza, de fato, a partir de 2007 com a chegada do ex-prefeito de Sobral, Cid Gomes, ao Governo do Estado. Este município já tinha uma forte experiência de fortalecimento da educação básica. Inclusive, ele traz a então secretária municipal de Educação de Sobral, Izolda Cela, para liderar a iniciativa de aprendizagem na idade certa. Foi aí que se começou a pautar metas de aprendizagem, de gestão e implementar um sistema baseado em mérito para a ocupação de cargos. Assim, o governador institui um pacto de alfabetização com todos os prefeitos.

 

Como foi a articulação para esse pacto?

Naquele momento tínhamos um cenário onde menos de 40% das crianças matriculadas no segundo ano do ensino fundamental concluíam o ano em padrões desejáveis de alfabetização. O pacto então é proposto e todos os prefeitos da época se engajam com um conjunto de intenções e ações práticas. Por exemplo, de submeter seus municípios ao processo de avaliação estadual. E aí vieram investimentos em formação continuada para professores, melhorias de gestão e elaboração de material estruturado para complementar o livro didático, entre outras frentes.

 

Márcio Pereira de Brito, secretário executivo de Cooperação com os Municípios na Secretaria da Educação do Ceará

E como as diferentes redes e entes federativos se envolveram nessa articulação?

Desde a primeira avaliação, com os resultados observados, houve uma grande mobilização que envolveu inclusive o legislativo. Na época, não era comum deputados entrarem nessa pauta. Tudo foi submetido à Assembleia [Legislativa]. Também foram chamadas a Associação de Prefeitos do Ceará, a Undime e até a União. Tudo isso fortaleceu esse grande pacto federativo entre municípios, estado e Governo Federal. Tínhamos uma boa parceria com o Ministério da Educação. Inclusive, cedemos os direitos do nosso material pedagógico e sabemos que 14 estados do Brasil utilizaram esses conteúdos.

 

Olhando para todo o percurso, você diria que o esforço para institucionalização da colaboração na política educacional foi a chave para o sucesso do caso no Ceará?

Com certeza. A gente vê iniciativas no Brasil de pactos pela aprendizagem, mas se eles não tiverem concretude, recurso público, organização estrutural, governança das instâncias estadual e municipal, ele não prospera. Aqui no Ceará foi uma grande sacada do governo da época e continuada pela gestão atual. O grande diferencial foi ter estruturado uma instância de governança dentro da Secretaria Estadual de Educação. Assim, os municípios tinham ali a referência, sabiam com quem dialogar. Sabiam onde estavam alocados os orçamentos, conheciam quem iria construir os processos de formação, quem iria conduzir os apoios técnicos pedagógicos. E, ao longo do tempo, esse pacto acabou induzindo a reorganização das Secretarias Municipais de Educação. Ou seja, nos municípios, hoje, temos um espelho da forma como a Secretaria Estadual está organizada no âmbito do que é o Regime de Colaboração. Há uma sintonia muito forte.

 

Desde 2007, observamos uma melhoria expressiva nos indicadores educacionais dos municípios do estado do Ceará. É realmente uma curva que chama atenção. Qual o impacto do Regime de Colaboração nesses resultados?

Primeiro ponto: só podemos agir a partir do que a gente conhece. Então avaliar e saber exatamente o retrato da aprendizagem dos estudantes, o que eles estão conseguindo ou não aprender, definir uma matriz de referência, é fundamental. E isso se faz em colaboração. A partir desse diagnóstico, alguns movimentos são muito importantes. Por exemplo, no nosso caso, percebemos que o professor precisava de formação continuada, mas não só de reforço teórico, de conteúdo. Mas principalmente de prática pedagógica. Sem a colaboração, não conseguiríamos fazer isso em escala. Se você entregar isso aos municípios de forma autônoma e independente, sem coordenação estadual, você vai ter alguns fazendo e outros não por pura falta de condições técnicas e financeiras. Então a colaboração liderada pelo estado é definidora.

 

E por que não vemos o mesmo efeito nos resultados da rede estadual? Os avanços apontados nas avaliações das redes municipais não são “carregados” para a estadual, em especial no caso do Ensino Médio? Qual a leitura de vocês para esse fenômeno?

Primeiro, é importante ter a consciência que, nesse modelo de trabalho, você tem resultados de curto, médio e de longo prazos. Existem resultados que são muito relacionados apenas à organização da rede. Outros são bem mais complexos. A transição do fundamental 2 para o ensino médio envolve um planejamento de médio e longo prazo. Essa criança precisa ter contado com acesso a uma educação infantil de qualidade, depois, ter sido alfabetizada na idade certa, precisa fazer parte de um ambiente de promoção de equidade. É todo um caminho a percorrer.

 

E hoje como está esse caminhar?

No caso do Ceará, depois de 12 ou 13 anos de uma sólida política de colaboração, a gente percebeu já resultados importantes no ensino médio, por exemplo. Veja: a última avaliação do Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica] mostrou que saímos do 12º lugar em 2010 para o 4º lugar em 2017. Um grande salto. Isso já é fruto do que foi feito desde a educação infantil, passando pelo fundamental. Outro dado importante é o acesso à universidade. Em 2008, apenas 400 alunos conseguiram entrar em algum curso superior. No ano passado foram 22 mil. Há avanços. Mas, é claro, ter um Ideb abaixo de 4 no ensino médio não é algo a comemorar, temos a consciência de que ainda precisamos evoluir muito.

 

Vamos  puxar o papo para o momento atual: a pandemia de Covid-19. Como foi essa jornada? O estado e os municípios usaram da colaboração para pensarem saídas comuns? Pode citar alguns exemplos?

Temos trabalhado desde o início para mitigar os danos. Porque ter a impossibilidade do ensino presencial é um impacto muito grande, o efeito colateral disso não sabemos nem medir. Temos nos esforçado bastante com os municípios no contexto da educação infantil e ensino fundamental para criar condições para que os alunos não tenham seu vínculo com a escola rompido. Mais que isso: temos atuado para não ter a ruptura dos laços da escola com a comunidade. Porque para além do papel de ensinar, de promover conteúdo e conhecimento, a escola pública cumpre um papel social relevante. Ela é um espaço de interação e democratização da informação muito importante.

 

Pode dar um exemplo de ação?

Juntamente com a Undime e o Consed, logo no final de março lançamos duas estratégias de oferta de conteúdo. A maioria dos municípios adotou esse material, virtualmente ou mesmo imprimindo os materiais para chegarem até o aluno. E agora, recentemente, adotamos a veiculação das aulas em duas emissoras de tevê públicas do Ceará.  Diariamente, as famílias têm acesso a quatro horas e meia de conteúdos que vão da educação infantil ao ensino médio.

 

E como está sendo pensado o retorno às aulas presenciais? Qual a estratégia central? 

Não há data de volta às aulas presenciais, não há previsão. Temos atuado com assessoria de especialistas da área da saúde. Nós estamos neste momento fazendo as intervenções necessárias, buscando adequar as escolas, mas sem nenhuma data fechada para retomada de [educação] presencial.

 

Qual sua avaliação sobre as lideranças institucionais no campo da educação durante a crise em nível nacional? 

Primeiro de tudo, precisamos reconhecer a grande contribuição do terceiro setor. Uma contribuição que acontece há muito tempo, até pela inércia da União na coordenação nacional (da Educação). Dito isso, quando olhamos para o Governo Federal, mesmo antes da pandemia, não vemos efetivação de políticas estruturantes para os ciclos de ensino. Pior, o governo descontinuou uma série de programas, que mereciam ser revistos, mas jamais paralisados. Hoje, estados e municípios fazem o que é possível. Não podemos aceitar que o Ministério da Educação esteja ausente do debate público sobre educação.

 

Você apostaria que, após o debate sobre o Fundeb, o Sistema Nacional de Educação poderá ganhar força no congresso? Pode ser uma próxima agenda?

Espero que sim, mas não é fácil. A aprovação do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) foi uma conquista. Pessoalmente, acho a política brasileira tão confusa, que prefiro esperar para ver se vamos mesmo avançar em outras pautas importantes para a Educação. A nossa  “bancada da educação” ainda é pequena. Espero que continue crescendo. Para isso vamos ter que continuar com nosso posicionamento de resistência.