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Reportagens Em pauta no Congresso: cinco argumentos a favor do SNE  set | 2020
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Para falar de Sistema Nacional de Educação (SNE) é importante voltar um pouco no tempo. A Constituição de 1988, nossa Carta Magna, coloca como cláusula pétrea – dispositivo constitucional que não pode ser alterado de forma alguma – o formato federativo do Estado brasileiro. A principal característica de uma federação é sua heterogeneidade territorial e, para compatibilizar essas diferenças em um único território, é preciso um alto grau de coordenação interfederativa, isto é, a coordenação harmônica dos entes e suas funções. No caso brasileiro, União, Estados e Municípios têm responsabilidades específicas – podendo ser comum ou concorrentes – na gestão das políticas públicas e orçamento.

Em um país de dimensões continentais, não é nada simples administrar este vasto território. Na Educação, por exemplo, existem papeis e responsabilidades divididos em diferentes redes de ensino. A educação infantil é ofertada prioritariamente pelos municípios, o ensino médio, prioritariamente, pelos estados; e o ensino fundamental possui uma oferta compartilhada.

Fazer com que uma decisão no Ministério da Educação, em Brasília, se transforme em recurso financeiro e vire merenda no prato de uma criança do outro lado do Brasil é uma operação bastante complexa. Uma gestão descoordenada dos fluxos e processos, assim como a não institucionalização de um Regime de Colaboração entre os entes federativos – União, Estados e Municípios -, pode gerar sobreposição de ações, desvios de recursos e, no fim da linha, aumento das desigualdades educacionais. 

Não temos hoje um sistema formalizado que promova um ambiente de pactuação sobre elementos como oferta, currículo, formação, avaliação – sempre respeitando a autonomia e as características locais dos estados e municípios.

Observando essa engenharia de responsabilidades, processos, recursos e demandas, percebe-se que é preciso uma elaborada coordenação da educação nacional, considerando a capacidade de implementação dos entes subnacionais nas esferas distributivas dos recursos, técnicas, pedagógicas, de planejamento e avaliação. Essa arquitetura, esse enorme organograma, regulado e normatizado como política pública, de maneira geral, é o que se conhece como Sistema Nacional de Educação.

Para compreender o SNE vale a comparação com o nosso Sistema Único de Saúde, o popular SUS. Trata-se de uma das maiores e mais complexas políticas de saúde pública do mundo. Agora, em tempos de pandemia de Covid-19, seu valor ficou ainda mais claro – defendido por gestores públicos, profissionais da saúde e pela grande maioria da população. 

O SUS garante atenção integral à saúde, e não somente aos cuidados básicos. É um direito de todos os brasileiros, desde a gestação e por toda a vida, com foco na saúde com qualidade de vida, visando a prevenção e a promoção da saúde. Da gestão no Ministério da Saúde até o atendimento no postinho em um bairro de uma cidade qualquer, ele é pensado e gerido em rede. Se melhorar a qualidade ainda é um desafio, ao menos na saúde a universalidade (objetivo também na educação para o médio prazo) já é garantida: todo cidadão brasileiro tem como princípio o direito de acessar os serviços de saúde de forma gratuita. 

É isso que se espera da Educação: sistematização das atribuições de cada ente, de forma que tenhamos divisão justa da oferta e assim todas e todos possam ter acesso ao ensino de qualidade e com equidade. E, aprovado o Novo Fundeb – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação -, o SNE se apresenta como a próxima grande agenda no Congresso Nacional. 

Confira cinco argumentos para defender e pressionar os governantes a discutir e regulamentar o Sistema Nacional de Educação.

 

1. Clareza de atribuições

As indefinições ou falta de clareza quanto a funções e responsabilidades de cada ente federado na gestão da Educação é hoje uma grande dificuldade, pois reage à capacidade de gestão dos entes subnacionais em prover educação de qualidade. Ainda que a legislação brasileira defina as atribuições dos entes sobre Educação, falta avançarmos em definições importantes. Por exemplo, não temos uma norma federal que regule de quem é a responsabilidade pelas matrículas de ensino fundamental II, conforme a capacidade de gestão. Isso faz com que, nos municípios, alunos deste ciclo se distribuam entre as redes estaduais e municipais que nem sempre conversam entre si. 

O SNE pode equilibrar  a concorrência, eliminar a sobreposição e a indefinição em funções educacionais e diminuir a fragilidade no apoio aos entes vulneráveis

2. Mais e melhor articulação

A cooperação entre os entes é outro aspecto penalizado pela falta de um Sistema Nacional de Educação consolidado. Quando determinado tema que impacta a Educação emerge, por exemplo, a pandemia que vivemos em 2020, a mobilização nacional e a colaboração entre redes e municípios depende da vontade política de gestores ou da atuação local de outros atores, como organizações da sociedade civil. Se tivéssemos um sistema hoje, estados e municípios poderiam estar amparados e melhor orientados no que diz respeito à oferta de atividades remotas e ao retorno às aulas presenciais.

3. Garantia da trajetória escolar

Isso significa pensar e planejar o percurso do estudante, em especial nos momento de mudanças de redes – da educação infantil para o ensino fundamental e do fundamental para o médio. Não temos hoje um sistema formalizado que promova um ambiente de pactuação sobre elementos como oferta, currículo, formação, avaliação e organização regional – sempre respeitando a autonomia e as características locais dos estados e municípios.

4. Combate ao desperdício de recursos e às desigualdades

Embora a regulamentação de um SNE não resolva todos os desafios do ensino brasileiro, um sistema operante e eficiente pode ampliar o combate ao desperdício de recursos e às desigualdades, otimizando a utilização de recursos humanos e materiais. Além disso, fortalece a cultura da colaboração. 

Um exemplo simples: redes municipais e estaduais encontrarão modelos para operar o transporte escolar de forma integrada, atendendo alunos do ensino fundamental e médio com o mesmo recurso, já que muitas vezes os estudantes residentes no mesmo território contam com duas ofertas de transporte, ou pior, nenhuma. O mesmo vale para recursos educacionais como uniformes, tecnologias, transporte e merenda.

5. Definição de parâmetros de qualidade

Uma das principais discussões pautada pela criação do SNE diz respeito a parâmetros de qualidade na Educação. Ou seja, em que parâmetros universais as práticas de avaliação aplicadas no Brasil estão ancoradas. Isso significa integrar o que será avaliado com o que está sendo ofertado. E toda essa prática em Regime de Colaboração. O tema também diz respeito à pactuação sobre a ação de outras instâncias para além da gestão pública, como os Conselhos de Educação, que têm função normativa e de assessoramento técnico ao poder executivo. 

Para se aprofundar no tema, confira também o conteúdo sobre o SNE no Plano Nacional de Educação.

 

PARA LER

Organizando a Educação: por que criar um Sistema Nacional de Educação?, de Guilherme Lacerda e Fernanda Castro Marques (2019)

PARA EXPLORAR

Sistema Nacional de Educação: o que é? Especial do Todos pela Educação (2019)

PARA ASSISTIR

Binho Marques, ex-governador do Acre, conversa com Priscila Cruz, do Todos pela Educação sobre questões econômicas, metodológicas e de corpo técnico, na defesa de um Sistema Nacional de Educação (2019)

 

A animação produzida pelo Todos pela Educação e Movimento Colabora: o SNE para garantir a coordenação das ações da União, Estados e Municípios na área da Educação