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Entrevistas “Precisamos de uma unidade de agenda para propor a regulamentação do SNE” mar | 2021
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A agenda da Educação não é estanque. Especialmente quando falamos da revisão de políticas educacionais, é preciso entender que ela está sujeita a fenômenos de diversas naturezas. O ano de 2020 foi simbólico neste sentido: todo o debate – em Brasília, nos Estados ou Municípios – se voltou para os desafios impostos pela pandemia de Covid-19, que obrigou escolas de todas as regiões do país a fecharem suas portas e adotarem estratégias de ensino remoto. 

Gregório Grisa fala sobre importância da Regulamentação do SNE

Gregório Grisa, fala sobre a importância da mobilização de diversos atores para avanços de pautas como o Novo Fundeb e a regulamentação do SNE

Entre aprendizados e desafios que viraram o ano e devem impactar a oferta educacional até pelo menos 2024, conseguimos avançar. Apesar do cenário de pandemia, o país conseguiu discutir e aprovar a Emenda Constitucional 108, que tornou permanente o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), principal instrumento de financiamento da rede pública brasileira. Uma conquista histórica, resultado de mobilizações que, além de parlamentares e gestores educacionais, envolveram uma série de organizações e movimentos da sociedade civil.

Ao entrar no terceiro mês de 2021, poucas novidades se apresentaram no radar. A pandemia segue sem sinais de se arrefecer. Enquanto o debate sobre reabertura das escolas e ensino híbrido exige todo o cuidado possível, pautas estruturantes seguem na fila para adentrar o debate público no Congresso Nacional. Uma das mais importantes é a regulamentação do Sistema Nacional de Educação, pauta que tramita nas duas casas legislativas: no Senado Federal, o PLP 235/2019, sob relatoria do Senador Dario Berger, e, na Câmara dos Deputados, o PLP 25/2019, sob relatoria do Deputado Idilvan Alencar. Como fazê-la caminhar?

Diversos analistas do campo da Educação afirmam que a experiência da aprovação do Novo Fundeb na Câmara e no Senado só foi possível pela pressão da sociedade civil, especialmente da mobilização de educadores, organizações e movimentos sociais. A hipótese é que, muito mais do que apenas vontade política dos parlamentares, o avanço da agenda se deu por pressão de indivíduos e organizações. Gregório Grisa, pesquisador e professor do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), analisa o caso.

“Entendo que a pressão se deu em duas frentes: a de mobilização e a de conteúdo. Houve grande pressão nas redes sociais, no contato direto com parlamentares. As entidades de diferentes orientações políticas exercendo seu papel foi algo que chamou atenção dos políticos e da imprensa, que cumpriu papel central também. Mas, essa mobilização só teve êxito porque se produziu conteúdo qualificado em uma velocidade recorde. No trâmite da PEC [Proposta de Emenda à Constituição], se observou a importância do tempo na construção de consensos, foram cinco anos de debate. Quando o prazo foi chegando, muitos parlamentares tiveram que se inteirar dos detalhes orçamentários da área que, infelizmente, são objeto de muitas apreciações de senso comum, como a ideia de que ‘se gasta muito e mal, não há retorno de qualidade”, pondera. 

O professor destaca a participação relevante de organizações e movimentos como a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o Todos pela Educação e a Associação Nacional de Pesquisadores em Financiamento da Educação (Fineduca) no período de aprovação da lei de regulamentação. “[Estes agentes] produziram simulações que mostraram que o Fundeb tinha de permanecer público. Muitos especialistas e atores com certo alcance nas redes cumpriram papel importante no momento pandêmico. A produção de evidências qualificadas fortalecem o argumento e a pressão, isso é um aprendizado para alguns grupos da área da Educação que por vezes se satisfazem com argumentos genéricos.” 

E assim, o Novo Fundeb é aprovado e entramos em 2021. E muito antes da discussão do momento sobre a contrapartida ao auxílio emergencial a partir de recursos da Educação e Saúde, diversos analistas apostavam que o Sistema Nacional de Educação (SNE) seria a pauta do ano. Grisa acredita que será difícil o SNE entrar na pauta ainda no primeiro semestre, mas que esse deve ser o foco da mobilização.

“A regulamentação do SNE e do CAQ (Custo Aluno-Qualidade) são pautas caras e urgentes para o campo, porém, não se percebe nenhum indicativo de que o Governo Federal queira priorizá-las, pelo contrário. Com o alinhamento dos presidentes da Câmara e do Senado, se tornou muito difícil serem pautadas no primeiro semestre. Desconfio que, mesmo para o segundo semestre, será difícil mobilizar os atores para a regulamentação do SNE. Faremos todo o possível com as bancadas. Mas em termos de tempo, está previsto na lei do Fundeb que ela precisa ser atualizada em alguns aspectos até 31 de outubro de 2021, isso já tomará tempo e energia do debate educacional”, avalia. 

Para Grisa, a conjuntura atual é complexa por si só, devido aos riscos constantes de cortes de recursos, propostos por algumas forças reacionárias presentes no Brasil ou mesmo pelos efeitos da pandemia. “Temos as pautas absurdas que aparecem com frequência e não ajudam para que se crie um clima positivo para debater o SNE. A ausência do MEC é fator central também. As lições que podemos tirar é que a unidade de entidades, academia, movimentos sociais e terceiro setor em geral gera resultados. Torna o apelo pela pauta educacional poderoso. O desafio é criar essa unidade para propor uma regulamentação do SNE e do CAQ consistente, factível e que garanta os avanços conquistados no Fundeb.”  

 

AGENDA COLABORA

O Movimento Colabora acredita que a pauta do Sistema Nacional de Educação deve ser discutida ainda em 2021, já que a revisão da governança na Educação é ponto central para a gestão do Novo Fundeb, bem como demais políticas educacionais. Em suas articulações com representantes do Senado e Câmara dos Deputados, além de outros atores do campo social, percebe o cenário se abrindo para o tema no Congresso, apesar dos demais vieses, também urgentes, impostos pela pandemia de Covid-19. Os desafios são diversos, mas possíveis de serem contornados mediante mobilização da sociedade para a urgência do tema.

 

 

 

Foto de destaque – Fernando Frazão/Agência Brasil (anterior à pandemia)