Para falar de Sistema Nacional de Educação (SNE) é importante voltar um pouco no tempo. A Constituição de 1988, nossa Carta Magna, coloca como cláusula pétrea – dispositivo constitucional que não pode ser alterado de forma alguma – o formato federativo do Estado brasileiro. A principal característica de uma federação é sua heterogeneidade territorial e, para compatibilizar essas diferenças em um único território, é preciso um alto grau de coordenação interfederativa, isto é, a coordenação harmônica dos entes e suas funções. No caso brasileiro, União, Estados e Municípios têm responsabilidades específicas – podendo ser comum ou concorrentes – na gestão das políticas públicas e orçamento.
Em um país de dimensões continentais, não é nada simples administrar este vasto território. Na Educação, por exemplo, existem papeis e responsabilidades divididos em diferentes redes de ensino. A educação infantil é ofertada prioritariamente pelos municípios, o ensino médio, prioritariamente, pelos estados; e o ensino fundamental possui uma oferta compartilhada.
Fazer com que uma decisão no Ministério da Educação, em Brasília, se transforme em recurso financeiro e vire merenda no prato de uma criança do outro lado do Brasil é uma operação bastante complexa. Uma gestão descoordenada dos fluxos e processos, assim como a não institucionalização de um Regime de Colaboração entre os entes federativos – União, Estados e Municípios -, pode gerar sobreposição de ações, desvios de recursos e, no fim da linha, aumento das desigualdades educacionais.
Observando essa engenharia de responsabilidades, processos, recursos e demandas, percebe-se que é preciso uma elaborada coordenação da educação nacional, considerando a capacidade de implementação dos entes subnacionais nas esferas distributivas dos recursos, técnicas, pedagógicas, de planejamento e avaliação. Essa arquitetura, esse enorme organograma, regulado e normatizado como política pública, de maneira geral, é o que se conhece como Sistema Nacional de Educação.
Para compreender o SNE vale a comparação com o nosso Sistema Único de Saúde, o popular SUS. Trata-se de uma das maiores e mais complexas políticas de saúde pública do mundo. Agora, em tempos de pandemia de Covid-19, seu valor ficou ainda mais claro – defendido por gestores públicos, profissionais da saúde e pela grande maioria da população.
O SUS garante atenção integral à saúde, e não somente aos cuidados básicos. É um direito de todos os brasileiros, desde a gestação e por toda a vida, com foco na saúde com qualidade de vida, visando a prevenção e a promoção da saúde. Da gestão no Ministério da Saúde até o atendimento no postinho em um bairro de uma cidade qualquer, ele é pensado e gerido em rede. Se melhorar a qualidade ainda é um desafio, ao menos na saúde a universalidade (objetivo também na educação para o médio prazo) já é garantida: todo cidadão brasileiro tem como princípio o direito de acessar os serviços de saúde de forma gratuita.
É isso que se espera da Educação: sistematização das atribuições de cada ente, de forma que tenhamos divisão justa da oferta e assim todas e todos possam ter acesso ao ensino de qualidade e com equidade. E, aprovado o Novo Fundeb – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação -, o SNE se apresenta como a próxima grande agenda no Congresso Nacional.
Confira cinco argumentos para defender e pressionar os governantes a discutir e regulamentar o Sistema Nacional de Educação.
As indefinições ou falta de clareza quanto a funções e responsabilidades de cada ente federado na gestão da Educação é hoje uma grande dificuldade, pois reage à capacidade de gestão dos entes subnacionais em prover educação de qualidade. Ainda que a legislação brasileira defina as atribuições dos entes sobre Educação, falta avançarmos em definições importantes. Por exemplo, não temos uma norma federal que regule de quem é a responsabilidade pelas matrículas de ensino fundamental II, conforme a capacidade de gestão. Isso faz com que, nos municípios, alunos deste ciclo se distribuam entre as redes estaduais e municipais que nem sempre conversam entre si.
O SNE pode equilibrar a concorrência, eliminar a sobreposição e a indefinição em funções educacionais e diminuir a fragilidade no apoio aos entes vulneráveis
A cooperação entre os entes é outro aspecto penalizado pela falta de um Sistema Nacional de Educação consolidado. Quando determinado tema que impacta a Educação emerge, por exemplo, a pandemia que vivemos em 2020, a mobilização nacional e a colaboração entre redes e municípios depende da vontade política de gestores ou da atuação local de outros atores, como organizações da sociedade civil. Se tivéssemos um sistema hoje, estados e municípios poderiam estar amparados e melhor orientados no que diz respeito à oferta de atividades remotas e ao retorno às aulas presenciais.
Isso significa pensar e planejar o percurso do estudante, em especial nos momento de mudanças de redes – da educação infantil para o ensino fundamental e do fundamental para o médio. Não temos hoje um sistema formalizado que promova um ambiente de pactuação sobre elementos como oferta, currículo, formação, avaliação e organização regional – sempre respeitando a autonomia e as características locais dos estados e municípios.
Embora a regulamentação de um SNE não resolva todos os desafios do ensino brasileiro, um sistema operante e eficiente pode ampliar o combate ao desperdício de recursos e às desigualdades, otimizando a utilização de recursos humanos e materiais. Além disso, fortalece a cultura da colaboração.
Um exemplo simples: redes municipais e estaduais encontrarão modelos para operar o transporte escolar de forma integrada, atendendo alunos do ensino fundamental e médio com o mesmo recurso, já que muitas vezes os estudantes residentes no mesmo território contam com duas ofertas de transporte, ou pior, nenhuma. O mesmo vale para recursos educacionais como uniformes, tecnologias, transporte e merenda.
Uma das principais discussões pautada pela criação do SNE diz respeito a parâmetros de qualidade na Educação. Ou seja, em que parâmetros universais as práticas de avaliação aplicadas no Brasil estão ancoradas. Isso significa integrar o que será avaliado com o que está sendo ofertado. E toda essa prática em Regime de Colaboração. O tema também diz respeito à pactuação sobre a ação de outras instâncias para além da gestão pública, como os Conselhos de Educação, que têm função normativa e de assessoramento técnico ao poder executivo.
Para se aprofundar no tema, confira também o conteúdo sobre o SNE no Plano Nacional de Educação.
PARA LER
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Sistema Nacional de Educação: o que é? Especial do Todos pela Educação (2019)
PARA ASSISTIR
Binho Marques, ex-governador do Acre, conversa com Priscila Cruz, do Todos pela Educação sobre questões econômicas, metodológicas e de corpo técnico, na defesa de um Sistema Nacional de Educação (2019)
A animação produzida pelo Todos pela Educação e Movimento Colabora: o SNE para garantir a coordenação das ações da União, Estados e Municípios na área da Educação