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Entrevistas Qual o impacto do Regime de Colaboração na carreira docente?  out | 2020
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Falar de Regime de Colaboração significa pensar a jornada escolar do estudante, o papel da família e da sociedade civil na Educação como um todo, os desafios do “chão da escola” – como merenda e material pedagógico – e também a valorização das professoras e professores. O educador, essa peça-chave para a garantia de uma Educação de qualidade, protagoniza um amplo debate na agenda política brasileira – seja por conta da pandemia, que o colocou em evidência, ou pela aprovação do Novo Fundeb, que deve impactar de forma significativa a carreira docente. 

A pandemia evidenciou a centralidade desse profissional para a manutenção das aulas, mesmo que a distância. Em paralelo, os gestores educacionais tiveram de buscar alternativas e estratégias para apoiar professores na estruturação do processo de ensino e aprendizagem remoto. Estados e municípios parecem ter compreendido a importância de colaborar e de induzir ações pactuadas, do contrário, pouco efeito as ações teriam na ponta. Essa jornada desafiadora mostrou que a ausência de um Sistema Nacional de Educação deixou o país sem um referencial de qualidade para a gestão das redes de ensino e para a qualificação docente. 

Sob esse contexto – e considerando tantas outras adversidades que enfrentam os educadores em seu dia a dia -, como pensar em políticas que tornem a profissão docente uma posição social almejada para os próximos anos? Por ora, o interesse só cai. De acordo com o relatório Políticas Eficientes para Professores, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), apenas 2,4% dos alunos de 15 anos têm interesse na profissão.

cenário carreira docente

 Esse retrato indica muitos desafios. Mas também é possível observar oportunidades, desde que a sociedade, considerando todos os setores, se engaje de forma efetiva na valorização desse profissional essencial para o desenvolvimento do país.

Para entender tudo isso, conversamos com Caroline Tavares e Marcelo Ribeiro, gerentes do Movimento Profissão Docente. Entre outros assuntos, o bate-papo abordou a valorização da carreira, as oportunidades apontadas pelo Novo Fundeb e o papel do Regime de Colaboração. Confira.

Movimento Colabora Educação – De que maneira o Regime de Colaboração entre redes e entre municípios pode impactar positivamente o público docente?

Movimento Profissão Docente – Há muitos desafios compartilhados por Estados e Municípios quando pensamos especificamente nas políticas docentes. Em primeiro lugar, Estados e Municípios precisam pensar continuamente em processos de seleção eficazes, que realmente identifiquem os professores preparados para a sala de aula. Considerando que isso envolve processos difíceis de realizar com qualidade, com frequência e licitação de serviços externos, haveria muita vantagem em desenvolver a colaboração nesse tema.

Outra questão importante envolve a gestão de recursos humanos. As secretarias de Educação são responsáveis pelo maior contingente de servidores públicos no Brasil: em média, 22% dos vínculos empregatícios do setor público são docentes ou estão em áreas ligadas. A gestão disso é bastante complexa e envolve um planejamento que precisa levar em conta simultaneamente uma série de aspectos da política pública, entre eles o projeto pedagógico da rede, as mudanças constantes de demografia dos alunos e as aposentadorias de professores.

As redes que melhor sabem fazer essa gestão conseguem planejar melhor suas políticas e tirar o máximo de proveito dos recursos a sua disposição. Aparentemente, há várias ações de colaboração que podem ser criadas para expandir esses benefícios para mais redes.

 

E no quesito ‘formação’? 

Entre as vantagens mais importantes que a colaboração pode trazer está o compartilhamento de programas de formação e desenvolvimento profissional dos professores. As iniciativas de desenvolvimento de professores no Brasil são caracterizadas por investimentos pontuais, sem um foco claro e pouco consistentes ao longo do tempo.

Caroline Tavares, gerente do Profissão Docente

E isso ocorre por basicamente duas razões. Em primeiro lugar, pela falta de um norte em relação às competências que esperamos dos professores. Se não soubermos, a priori, o que o professor precisa saber e ser capaz de fazer, é impossível desenhar uma política efetiva. Nesse sentido, a Base Nacional de Formação Continuada, recém discutida e aprovada no Conselho Nacional de Educação é um grande avanço.

Em segundo lugar, há uma complexidade inerente em criar políticas de desenvolvimento estruturadas. Em certo sentido, é como criar uma estrutura de ensino paralela, que pode exigir um grau de organização tão sofisticado quanto o das próprias escolas: professores precisam ter tempo alocado para formação, deve haver processos claros e efetivos para identificação de demandas formativas. As formações devem ser construídas com objetivos claros e metodologias robustas. É nesse aspecto que a colaboração poderia surgir, garantindo que as redes compartilhassem o ônus e o bônus de criar respostas melhores para o desenvolvimento dos seus professores.

 

Tivemos a aprovação do Novo Fundeb na Câmara dos Deputados e no Senado. É uma conquista para a educação de forma ampla, mas também para os professores (que foram importantíssimos na mobilização). Por quê?

O Fundeb é um instrumento fundamental para a redistribuição dos recursos na Educação. E se você considerar que o professor é o elemento mais importante para que os direitos de aprendizagem se efetivem, fica clara a relevância da manutenção e fortalecimento do Fundeb: com os recursos adequados em mãos, gestores podem investir mais em seus docentes, reconhecer adequadamente o trabalho realizado e adotar iniciativas que valorizem a profissão como um todo.

Agora é preciso que se pensem maneiras de utilizar os recursos que virão em prol de uma agenda de profissionalização e valorização dos professores.

 

Ainda nesta pauta, quais os principais desafios para a implementação do Novo Fundeb na visão do movimento? Como vocês têm atuado nessa agenda?

Certamente o maior desafio envolve os mecanismos de cálculo e monitoramento que serão detalhados na regulamentação do Fundeb. Mas algo que não estará necessariamente na regulamentação e que é, ao mesmo tempo, um desafio e uma oportunidade é como se fará o uso dos recursos que precisam ser destinados para remuneração dos profissionais da Educação.

Os efeitos do aumento da complementação da União e dos critérios mais redistributivos sobre a remuneração dos professores não estão totalmente claros ainda, embora seja possível afirmar que, para um conjunto dos municípios, isso signifique um aumento na remuneração média. Isso pode abrir uma oportunidade rara para que as redes pensem de maneira mais estruturada a profissionalização e a valorização de seus docentes, de modo a garantir que todo estudante tenha professores preparados, motivados e com boas condições de trabalho.

 

Algo que pode vir na esteira deste debate é o Sistema Nacional de Educação, concorda? Será que ele entrará na pauta do Congresso já agora no fim do ano ou no início de 2021? 

Pensando nos avanços que o Brasil precisa para os próximos anos, é uma pauta urgente. A coordenação da política educacional no Brasil não pode depender de contextos ou ciclos específicos e o Sistema Nacional seria, antes de tudo, um mecanismo de accountability, que deixe claras as responsabilidades e favoreça a ação complementar dos entes.

No caso das políticas docentes, isso é especialmente verdade. A União tem atribuição preponderante em relação às demais esferas na formação inicial de professores. Além de sua competência exclusiva na avaliação da qualidade do ensino superior, a União é diretamente responsável pela qualidade da maioria das instituições de ensino superior formadoras de professores, já que o sistema federal responde por mais de 80% das matrículas de licenciatura e pedagogia. Só ela, portanto, pode promover no curto prazo melhorias relevantes no preparo dos ingressantes da profissão.

Já as redes estão concomitantemente responsáveis pela gestão dos docentes em exercício. A descoordenação da gestão desses docentes coloca os entes em competição, reduzindo as possibilidades de criar políticas mais estruturadas que façam melhor uso dos recursos da Educação.

 

Falando especificamente da profissão de professor: algumas pesquisas têm indicado uma queda no interesse pela carreira docente nos últimos anos entre jovens. Qual o cenário atual? Vocês poderiam pontuar algumas razões para tal realidade?

Marcelo Ribeiro, do Profissão Docente

É verdade. Segundo os dados do PISA (OCDE), entre 2006 e 2015 houve uma redução bastante acentuada na porcentagem de jovens de 15 anos que esperam trabalhar como professores: caiu de 8,3% para 2,4%. Estávamos entre os países que realizam o PISA com o maior percentual de jovens com interesse na profissão e hoje estamos entre os últimos.

Porém, é importante lembrar que essa redução se deu simultaneamente a uma expansão relevante do ensino superior no Brasil e também das opções de financiamento. Durante muito tempo a profissão de professor foi considerada uma das únicas alternativas – se não a única – de ingresso às universidades para uma parcela importante da população. O que ocorreu então é que as políticas adotadas nas últimas duas décadas aumentaram bastante o custo de oportunidade de se tornar professor: agora ser professor passou a concorrer com mais frequência com ser advogado, ser jornalista, ser engenheiro.

Por outro lado, há indícios de que houve também uma queda no prestígio social da profissão. O Brasil se encontra entre os países que menos reconhecem a importância de seus professores e isso só piorou. Então é possível e bastante provável que o discurso atual que temos em relação à profissão não esteja contribuindo.

 

Contudo, em tempos de pandemia, os educadores saem mais fortalecidos ou fragilizados da crise? Como usar este momento para debater na sociedade civil a importância da carreira docente para uma sociedade democrática forte? 

Creio que as famílias estão compreendendo a importância da escola para suas rotinas e deveres: é bastante difícil ter que cuidar simultaneamente das tarefas domésticas, profissionais e dos filhos. Porém, isso não necessariamente se reverte na valorização do papel da Educação e dos professores, mais especificamente.

Como muitas vezes os pais não têm condições de avaliar a qualidade da aprendizagem de seus filhos, eles podem muito bem achar que seus filhos estão tendo um bom ensino ao assistir as aulas na TV e fazendo algumas atividades sozinhos em casa. Portanto, a consequência imediata da pandemia não é a valorização da Educação e dos educadores, isso não está garantido. 

Isso só vai acontecer se a escola e os professores continuarem presentes na vida dos estudantes e de suas famílias. E dados os desafios atuais, isso envolve uma série de medidas da gestão pública que apoiem esses profissionais a continuarem trabalhando.

 

O que vem pela frente no Profissão Docente? Alguma novidade ou pauta em destaque?

Este ano vimos um avanço importante no Brasil para as políticas docentes: a discussão e aprovação pelo Conselho Nacional de Educação de uma Base Nacional para a Formação Continuada de Professores. Esse documento, somado às diretrizes curriculares nacionais para a Formação Inicial de Professores, institui um conjunto de competências profissionais que vão orientar as políticas e programas voltadas a professores e nos permitir construir uma verdadeira agenda de valorização e profissionalização.

O Profissão Docente pretende apoiar os gestores públicos agora na adoção e implementação dessa base. Estamos apoiando diversas iniciativas tanto nacionais quanto locais para que novas políticas sejam desenhadas no campo da formação, seleção e valorização dos professores e esperamos ver alguns resultados disso já nos próximos meses.

 

AGENDA COLABORA

Perceptivelmente, o professor é profissional estruturante para alcançarmos educação básica de qualidade. Com a entrevista, podemos evidenciar dois pontos importantes para a melhoria da qualificação e carreira docente no país:

– Iniciamos a construção de uma Base Nacional para a Formação Continuada de Professores, documento para orientar políticas docentes. No entanto, ainda é preciso levar a Base para um outro patamar, institucionalizando-a como prioridade nacional. Prezar pelo desenvolvimento profissional docente é uma forma de valorização. Tanto a União, quanto os entes subnacionais, têm responsabilidade e compromisso com essa pauta.

– Ainda temos fragilidades na coordenação federativa que afetam diretamente a qualificação e a carreira docente. Precisamos regulamentar e aprovar o Sistema Nacional de Educação (SNE), desta forma, a elaboração de políticas estruturadas tanto para a formação inicial quanto para a continuada será pactuada entre União e entes subnacionais. No SNE, a expectativa é que se tenha maior clareza das atribuições dos entes federados, enfatizando o papel da União na avaliação da qualidade da formação inicial, e dos entes subnacionais na implementação das políticas docentes.

Entenda aqui cinco argumentos que reforçam a importância de um Sistema Nacional de Educação.