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Artigos Educação contra o racismo nov | 2020
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*Publicado no Jornal O Globo, em 18 de novembro de 2020

Todo ano, em algum lugar entre o feriado da Proclamação da República do Brasil e o tsunami consumista induzido pela já brasileiríssima black friday, o país é convidado a refletir sobre negritude, discriminação racial e desigualdade social. É o Dia Nacional da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, uma alusão à morte de Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares e ícone da luta por liberdade do povo negro. Uma ocasião para celebrar nossa cultura, um caldeirão de heranças de diversas etnias, e também construir caminhos para uma sociedade mais justa e menos preconceituosa. 

Os desafios são muitos. Basta olhar para a fotografia: 76% dos mais pobres no Brasil são negros, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Entre a população carcerária, somos 65% (Departamento Penitenciário Nacional). O percentual de pretos e pardos assassinados no Brasil é 132% maior do que o de brancos, diz o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Ainda de acordo com IBGE, apenas 9,3% das pessoas negras com mais de 25 anos de idade concluíram o ensino superior e quatro em cada 10 jovens negros não terminaram o ensino médio.

Ao focalizar esse triste retrato, posso afirmar que precisamos recuperar e valorizar o que a diáspora africana nos roubou: a memória dos nossos ancestrais, nossa arte, nossa matemática, nossos saberes sobre a terra, o céu e os mares. E mais: precisamos de políticas afirmativas diversas para corrigir desigualdades arraigadas em nossa sociedade.

Essa sempre foi minha luta, desde quando comecei a carreira profissional como professor no curso pré-vestibular da Educafro, até quando colaborei para a implementação da Lei de Cotas nas universidades públicas. Hoje, à frente do Movimento Colabora Educação, com a desafiadora agenda de agir para efetivar o Sistema Nacional de Educação (SNE), meu ofício muda de escopo, mas não de propósito. O sonho por uma educação de qualidade para todas e todos, independentemente de CEP, cor da pele, gênero ou orientação sexual, pra mim é o ponto de partida e também o destino a ser alcançado.

E, nesse sentido, o SNE, agenda em discussão no Congresso Nacional é, indiscutivelmente, um caminho para alcançar resultados positivos na oferta de uma educação de qualidade e com equidade. Mais que isso, nós, do Colabora, acreditamos que o Sistema é fundamental para assegurar a aprendizagem dos estudantes, estratégia potente para reduzir desigualdades.

Ter um sistema que articule e faça a regência das diferentes redes de ensino no Brasil, respeitando suas autonomias, para garantir a distribuição de recursos com foco em quem mais precisa, significa levar educação de qualidade para o menino preto que está no Rio Grande Sul e para o indígena de uma comunidade ribeirinha no Pará. Para a garota de uma escola rural no Mato Grosso à moça que voltou a estudar no Ensino de Jovens e Adultos. É política pública para garantir direitos. Direito à educação a todas e todos. 

É preciso que a sociedade brasileira entenda e se mobilize para pressionar gestores para que Sistema Nacional de Educação seja regulamentado ainda em 2021. Acreditamos que ele será  uma rede indutora de estratégias de combate à desigualdade educacional e instrumento de combate ao racismo estrutural.

Portanto, que essa data simbólica, de celebração da cultura afro-brasileira, também seja um chamado ao combate às desigualdades que afetam pretos e pardos na educação. E que essa luta seja perene. Que a nossa vigilância antirracista seja cotidiana. Que saibamos construir pontes curtas e seguras para um futuro cheio de Kamalas, Djamilas, Miltons, Conceições, Chimamandas, Lélias, Obamas, Dandaras e Emicidas.

 

 

*Por Thiago Thobias, advogado e secretário executivo do Movimento Colabora Educação