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Entrevistas ‘O SNE deve ser a pauta mais importante do novo governo para reconstruir educação’ dez | 2022
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Aprovar o Sistema Nacional de Educação (SNE), já em tramitação no Congresso, é urgente para enfrentar a atual crise da educação brasileira, recompor a aprendizagem e combater a evasão escolar. Isso porque apenas a efetiva articulação entre estados, municípios e União permitirá colocar em prática uma política nacional de educação que responda às graves demandas do país.

Essa é a opinião do cientista político, professor universitário e analista político Fernando Luiz Abrucio, que concedeu entrevista exclusiva ao Movimento Colabora. 

“Como a educação foi destruída no governo de [Jair] Bolsonaro é preciso que haja urgentemente um esforço nacional, com ampla articulação entre os três entes federativos, para a reconstrução da educação nacional”, disse Abrucio. “É preciso também liderança do Executivo para políticas educacionais estruturadas, o que não ocorreu nos últimos quatro anos.”

‘Um dos papéis da equipe de transição é mostrar o tamanho do desastre dos últimos quatro anos’, diz Abrucio – TV CPP/ Reprodução

Além do Sistema, outros temas prioritários devem avançar, como na educação infantil, no aperfeiçoamento da reforma do ensino médio, nas  escolas de ensino integral e na implantação de diretrizes para formação de professores. 

Porém, o especialista reforça: “é preciso olhar também para o micro, para o chão da escola”. Isso porque, segundo Abrucio, uma agenda repressiva tomou conta das instituições de ensino brasileiras fomentando o descrédito da educação, a intolerância e a violência. 

“Esse é um dos maiores desafios do próximo MEC e de toda sociedade: reduzir o grau de beligerância que foi criado nas escolas do país”, diz. “Enfrentar esse problema exige envolver governo, sistema de justiça, mídia, organizações da sociedade civil, famílias e lideranças locais, porque se não reduzirmos a confusão causada por essa agenda pseudo conservadora vai ser muito difícil o Brasil ter futuro.”

Confira a entrevista na íntegra:

Movimento Colabora – Que pautas da Educação deveriam ser indicadas para os congressistas como as mais relevantes no pós-eleição?

Fernando Luiz Abrucio – A primeira pauta é o Sistema Nacional de Educação, porque como a educação foi destruída no governo de [Jair] Bolsonaro é preciso que haja urgentemente um esforço nacional, com ampla articulação entre os três entes federativos, para a reconstrução da educação nacional.

Na sequência do SNE temos outras pautas fundamentais, como a recuperação da aprendizagem no pós-pandemia, o aperfeiçoamento da reforma do ensino médio, a pauta da primeira infância, que foi paralisada nos últimos anos, e o avanço das escolas de ensino integral, que está muito desigual pelo país. Para se ter uma ideia, muitos estados pararam porque não tinham recursos. Nessa lista podemos incluir também pautas já aprovadas pelo próprio Conselho Nacional de Educação [CNE], como as diretrizes para formação de professores, que estão só no papel. O governo federal não avançou em nada. 

Mas é importante que todas essas pautas estejam integradas com a ideia do Sistema Nacional de Educação, no sentido de que só é possível alcançar melhorias reais com integração federativa, com um regime de colaboração mais amplo, que envolva os três níveis de governo.

Colabora – Na sua opinião, por que o SNE deve ter tanto protagonismo?

Abrucio – Os efeitos do desastre do Ministério da Educação nos últimos quatro anos foram muito grandes na aprendizagem dos alunos e na evasão escolar. Reconstruir tudo isso vai depender de uma articulação efetiva entre os três níveis de governo. Ela é fundamental para recuperar a aprendizagem, reduzir evasão e avançar em outras pautas extremamente importantes, como a implementação no novo Ensino Médio, que está muito desigual e fragmentada, o que compromete o ensino dos jovens.

Será importante garantir articulação entre União, estados e municípios para enfrentar a pauta gigantesca de destruição institucional que aconteceu nos últimos anos. Não acredito que seja possível fazer essa reconstrução sozinho.

Colabora –  Qual sua avaliação sobre a nova composição do Congresso Nacional e da equipe de transição, pensando nas pautas de educação?

Abrucio – A equipe de transição é plural, composta por muita gente que trabalha com educação. Seu papel é mais o de mostrar o tamanho do desastre na educação nos últimos quatro anos, porque quem vai realmente definir a pauta será o novo ministro ou ministra da Educação. 

Quanto ao Congresso, depende muito da liderança do Executivo. Na Câmara e no Senado teremos pessoas vinculadas aos temas educacionais, tanto na direita como na esquerda, mas esta “bancada da educação” só funcionará se houver liderança do Executivo para políticas educacionais estruturadas, o que não houve nos últimos quatro anos. Sempre que houver liderança haverá guarida no Congresso – com negociações e discussões, claro, o que é muito bom para a democracia. 

A proposta do SNE avançou no Congresso, mas só vai avançar mais se o Executivo liderar o processo. Esse é o ponto central: o Executivo ter uma agenda, conversar e negociar com o Congresso, com os governadores, com os prefeitos e, claro, com a sociedade civil.

Colabora – O Sistema Nacional de Educação já é entendido por diversos parlamentares como a principal pauta da educação para a nova legislatura. Na sua opinião, quais as possibilidade de essa agenda avançar com a nova composição do Congresso?

Abrucio – São grandes as possibilidades. O presidente eleito [Luiz Inácio Lula da Silva, PT] diz que quer fazer um governo compartilhado com a federação. O SNE está desenhado aí, vai depender apenas de quem assumir o MEC e da liderança técnica e política desse projeto no Ministério.

O presidente eleito já disse que no começo de janeiro vai se reunir com governadores e eles, certamente, vão falar sobre a crise que enfrentam na educação. Ela foi causada pela pandemia, mas também porque várias medidas caíram no colo dos governadores, como as escolas de tempo integral e a obrigatoriedade de creches para todas as crianças, sem qualquer apoio do governo federal. 

Colabora – As instâncias de governo, em nível estadual e municipal, poderão estabelecer diálogos construtivos para avançar na Educação pós-pandemia? Nesse sentido, que papel se espera do novo MEC?

Abrucio – Fundamentalmente um papel de reconstrução. O primeiro passo deveria ser a reconstrução federativa, conjunta com estados e municípios, para construir consensos e projetos. Ao longo do primeiro ano, se o SNE for bem construído, as principais propostas para educação no Brasil poderiam ser mais discutidas e negociadas. E se elas forem consensuadas com estados e municípios, o Congresso vai aprovar.

Colabora – Na sua opinião, haverá espaço para organizações da sociedade civil, como o Movimento Colabora, contribuírem nos novos quadros desenhados no Legislativo e Executivo? Qual deve ser o papel dessas organizações?

Abrucio – No plano macro é possível aperfeiçoar ainda mais o desenho legal do SNE e incluir mais especialistas e a sociedade civil na discussão. Essa é uma pauta macro, que prevê, por exemplo, melhorar condições de trabalho ou implantar escolas de tempo integral, mas tem a agenda no micro, no chão da escola. Nós estamos perdendo no micro, que é mais difícil de reconstruir.

Colabora – A agenda micro diz respeito à pauta conservadora, de costumes, que tomou conta da Educação brasileira?

Abrucio – É uma agenda pseudo conservadora e para ela precisamos também de uma grande ação do governo federal, com estado, municípios, universidades e sociedade civil, todos comprometidos com educação, para evitar a barbárie que está acontecendo hoje: a criação de uma série de agendas que não tem nada a ver com ensino e que levam até o assassinato de crianças e adolescentes. Não tenho dúvidas de que o que ocorreu no Espírito Santo [assassinato de estudantes e professores por ex-aluno] é consequência dessa agenda repressiva que chegou às escolas. 

Esse é um dos maiores desafios do próximo MEC e de toda sociedade: reduzir o grau de beligerância que foi criado nas escolas brasileiras. Enfrentar esses problemas no plano micro exige envolver governo, sistema de justiça, mídia, organizações da sociedade civil, famílias e lideranças locais, porque se não reduzirmos a confusão causada por essa agenda pseudo conservadora vai ser muito difícil o Brasil ter futuro.

Colabora – O senhor avalia que o novo governo promoverá  avanços concretos na educação?

Abrucio – Sim, até porque retroceder mais é difícil. O desastre foi tão grande que qualquer pulo de 10 centímetros é um grande avanço. Mas muitos governadores, prefeitos e pessoas que trabalham com educação têm consensos sobre um conjunto de ideias básicas com as quais dá para avançar muito, com espaço para negociação. Há grande possibilidade de melhorar se comparado aos últimos quatro anos, mas o grau da melhora é difícil de prever, porque depende de muitas coisas, inclusive de quem vai assumir e coordenador o MEC.