voltar
Entrevistas Agenda da Educação no Congresso: conquistas e novos desafios set | 2020
Compartilhar

No final do mês de agosto, um novo modelo para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) foi aprovado no Congresso Nacional com a Emenda Constitucional 108/2020. Uma grande conquista para a sociedade brasileira. Vitória dos profissionais da educação e de todo cidadão comprometido com a causa da Educação de qualidade e com equidade. Contudo, a agenda não encerra na aprovação. O Novo Fundeb ainda precisa ser regulamentado e sua implementação, em 2021, envolve uma série de questões. 

Entra ainda em cena outro debate estruturante: a votação do Sistema Nacional de Educação, pauta fundamental que o Colabora defende para que os recursos cheguem de maneira coordenada e efetiva nas redes de ensino. Para entender esses dois temas fundamentais para o país e a agenda da Educação no Congresso, convidamos Lucas Hoogerbrugge, gerente de Estratégia Política no Todos Pela Educação, para um bate-papo. Confira.

 

Movimento Colabora Educação – Agora é fato: o Fundeb fará parte da Constituição Brasileira. Podemos começar essa conversa com uma breve consideração sobre esse marco histórico para a Educação e sua relação com a pauta central do Colabora? 

A primeira coisa que temos que ressaltar é que o Novo Fundeb aprimora consideravelmente o financiamento da educação no Brasil, principalmente para aqueles que mais precisam. É, talvez, um dos maiores mecanismos de Regime de Colaboração do pacto federativo da Educação brasileira. Ele olha para o financiamento entre os diferentes níveis de governo como um todo. Considera que o recurso precisa chegar na ponta, independentemente de qual rede de ensino o estudante faz parte. E coloca União, Estados e Municípios para financiar essa matrícula juntos. Pra mim, é uma palhinha do que pode ser articular bem a colaboração entre entes no Brasil.

 

Pode explicar melhor a questão da distribuição do financiamento? Como funciona a complementação adicional de recursos da União para as redes e o que muda agora?

O Novo Fundeb garante uma maior complementação do Governo Federal aos Estados e Municípios. Isso significa recursos para as localidades que não alcançam o valor mínimo para financiar a oferta educacional. Antes desse formato, a política olhava apenas para os estados e assim o dinheiro era distribuído para os municípios, considerando o número de matrículas. Agora, a maior parte da complementação da União passa a ser direta para as redes de ensino (municipal, estadual e federal). O mecanismo atual foi essencial para reduzir a desigualdade no financiamento da Educação no Brasil, mas ainda tinha uma limitação: ele não olhava para os municípios especificamente, em especial no caso dos estados que não são os mais pobres. Um caso clássico é Minas Gerais. Na média, não é um estado pobre. Mas possui municípios muito vulneráveis, como é o caso de alguns da região Norte. Agora, essa desigualdade precisará ser equilibrada. A limitação de recursos para Educação nessas localidades entra na conta do Fundo.

 

Lucas Hoogerbrugge, gerente de Estratégia Política no Todos Pela Educação

Apesar de aprovado na Câmara e no Senado, o Novo Fundeb ainda não foi regulamentado. Como será a tramitação da lei de regulamentação? Temos tempo suficiente até o início do ano letivo de 2021?

Existe uma série de elementos que precisam ser regulamentados. De acordo com análise do Todos pela Educação, são 25. Entre eles, existem fatores de ponderação, questões de composição dos fundos, mecanismos de repasse do dinheiro, etc. São diferentes pontos que devem estar na lei de regulamentação para que tenhamos o Novo Fundeb para o começo de 2021 rodando. Do contrário, tudo que conquistamos na emenda constitucional pode não vingar. E vale lembrar que na Constituição Federal já existe um artigo – o 211 – que traz uma série de dispositivos que versam sobre a articulação entre os níveis de governo, coordenação da oferta, ação redistributiva dentro das redes, parâmetros de qualidade, entre outros. E é aí que vem a deixa para pautarmos o Sistema Nacional de Educação. A lei de regulamentação do Fundeb é quase que um gancho para a gente retomar a discussão do SNE. 

 

 

Então, a exemplo do Colabora,  você aposta que o próximo grande debate na agenda da Educação será o SNE? 

Precisa ser. Agora que vamos passar mais recursos para quem mais precisa, é necessário dar conta de coordenar melhor os esforços, ou seja, a gestão da Educação entre os três níveis de governo. Hoje já temos relatores definidos, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal. Importante lembrar que estamos falando de um projeto de lei complementar – isso significa que ele vai regulamentar uma parte específica da constituição, e não uma lei sobre uma “matéria inédita” constitucionalmente. Os textos hoje em trâmite na Câmara e no Senado Federal apresentam elementos que, de alguma forma, são complementares. Alguns falam mais sobre a construção de instâncias de participação, outros vão mais no sentido das diretrizes e dos princípios.

 

E o que é fundamental para termos um bom projeto aprovado? 

Basicamente, precisamos estabelecer um sistema que, ao mesmo tempo, respeite a autonomia dos entes federados, ou seja, algo que não seja muito centralista, mas que também consiga criar instâncias em âmbito federal para tomada de decisões. É preciso empoderar colegiados, com clareza de atribuições e responsabilidades, para decidir questões que cascateiem para todos os estados e municípios.  

 

E o Ministério da Educação (MEC) nesse debate?

É importante dizer que os desafios na articulação federativa da agenda da Educação  não são de hoje. Estamos passando por um momento em que o MEC não desempenha seu papel na coordenação da resposta à crise da Covid-19 na Educação Básica, mas, no passado, vivemos outras dificuldades. Digo isso, não no sentido de tentar colocar no mesmo lugar a gestão de hoje e as anteriores, mas para destacar que essa articulação é um problema estruturante. Isso porque é um assunto complexo por natureza. Trata-se de um órgão que precisa pensar em 5.570 municípios em termos de política educacional. Mas, claro, é inegável que no último um ano e meio o MEC se ausentou do debate sobre a coordenação da política educacional. O ponto essencial é que se a pauta do SNE de fato avançar, o MEC vai precisar se envolver. Sem o ministério, é muito difícil que o sistema funcione. Vamos precisar de uma secretaria executiva, câmaras técnicas, toda uma estrutura gerencial para que o SNE saia do papel e chegue dentro da sala de aula.

 

E toda essa movimentação no Congresso acontece em meio a uma pandemia que trouxe impactos profundos para as redes educacionais. De que forma essa crise impacta os debates?

A pandemia traz uma crise que impacta a vida de todos. Atrapalha vários processos e debates em curso. Mas também escancara a desigualdade que o país vive. Ela mostra que o país é desigual na condição do indivíduo, ou seja, o quanto as famílias e os estudantes sofrem com a crise, como também as diferenças nas dimensões institucionais, isto é, como as redes têm capacidade de oferecer saídas para este momento. Em resumo, isso tudo que vivemos, essa crise, fortalece o diagnóstico da necessidade de um Sistema Nacional de Educação. 

 

E você acha que a comparação com Sistema Único de Saúde (SUS) é válida? Ajuda a comunicar a importância do SNE para a sociedade brasileira?

Eu diria que a comparação é válida, mas precisa ser vista com algumas ressalvas. O SUS é de fato um sistema que integra muito bem os níveis de governo, mas tem uma grande diferença comparado ao campo da Educação: ele é um sistema único. Trabalha com fundos onde ocorrem transferências de recursos do âmbito nacional para os estados e assim por diante. A governança é muito amarrada. Já no caso da Educação, e considerando o arcabouço legal construído ao longo do tempo, entendemos que o SNE é um “sistema de sistemas”. Ou seja, dentro de cada estado, você tem um pacote de sistemas municipais. Mas, sim, é uma boa referência, só é preciso qualificar esse debate para mostrar a importância da coordenação da política educacional. Precisamos comunicar, quase como uma figura de linguagem, que Governo Federal, Estadual e Municipal precisam sentar à mesa para decidir o que fazer com a Educação.

 

Esses dois temas que discutimos aqui devem aparecer nos debates durante as eleições municipais deste ano? 

Por um lado, no trâmite legislativo, o momento atrapalha um pouco a agenda da Educação porque tem um envolvimento de muitos parlamentares nas eleições, inclusive vários são candidatos. Isso pode atrasar a tramitação do SNE no Congresso. Por outro, as eleições representam uma oportunidade gigantesca de repactuar as ações de cooperação entre Estados e Municípios. É um gancho para puxar o debate da colaboração para uma agenda nacional.

 

E de que maneira o terceiro setor pode atuar para fazer com que a agenda do SNE ganhe força no Congresso?

Todos precisam se envolver. É um debate extremamente complexo. Ele não foi resolvido até hoje justamente porque é complicado. O terceiro setor, sejam as organizações da sociedade civil, as fundações, os institutos ou os movimentos sociais podem apresentar suas propostas sobre a governança da Educação e participar ativamente do debate. Precisamos também que a imprensa consiga cobrir a pauta com qualidade, que a sociedade compreenda e advogue por ele com os parlamentares que elegeu. As pessoas sabem onde o sapato aperta. Elas entendem todos os problemas que afetam a Educação. Talvez não entendam as raízes deles. E é isso que precisamos discutir. 

 

AGENDA COLABORA

O Colabora atua para qualificar o debate em torno do Sistema Nacional de Educação e, junto com outros atores, tem ação direta na articulação da pauta no Congresso Nacional. O Movimento acredita que, se aprovado, o SNE irá instituir o Regime de Colaboração e cooperação interfederativa nas políticas para a educação básica pública. Isso significa compartilhar responsabilidades entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios pela trajetória escolar de todos e cada aluno da educação básica pública, o que representa grande avanço para a oferta de uma educação de qualidade e com equidade.